A história da maior grilagem de terras – na Amazônia, no Brasil e, provavelmente, no mundo – chegou ao fim neste dia 25, depois de se estender durante mais de 25 anos. O Diário Oficial do Pará publicou despacho da juíza Valdeise Maria Reis Bastos, titular da 3ª vara cível e empresarial de Belém, mandando arquivar definitivamente processo remanescente de uma longa e intensa batalha judicial.
Para o cumprimento da decisão, basta que sejam transferidos permanentemente os recursos depositados em uma conta à disposição da justiça, constituindo-se receita pública, O dinheiro passará a integrar o Fundo de Reaparelhamento do Judiciário. A partir daí o processo ao qual essa conta está vinculada dormirá de vez nos arquivos do poder judiciário.
Esse dinheiro, eu o depositei em 2013. Desde então ficou à disposição dos herdeiros do empresário Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país, que morreu em 2008.
Como seus sucessores não se habilitaram ao saque, passados três anos sem movimentação, a juíza cumpriu a lei, transferindo o dinheiro para a justiça.
Em 2000, Cecílio me acionou perante a justiça do Pará. Declarou-se ofendido por eu tê-lo chamado de pirata fundiário num artigo que escrevi no meu Jornal Pessoal, um quinzenário que circulou durante 32 anos, até o final de 2019. Acrescentou à ação criminal pedido de indenização por dano moral.
Nascido no Pará, mas estabelecido no Paraná ainda jovem, com personalidade polêmica e impetuosa, ele era dono de uma das maiores empreiteiras do país, com sede em Curitiba. Seu projeto era claro: se apossar de uma área que poderia chegar a sete milhões de hectares (maior do que muitos países e poderia ser o 21º maior Estado brasileiro) na Terra do Meio, no vale do Xingu, onde havia (e não há mais) a maior concentração de mogno, a árvore então mais valiosa da Amazônia. Seria a maior grilagem do mundo.
O dono da C. R. Almeida esteve por trás de outras ações de dois desembargadores e de um madeireiro, seu cúmplice, que também me levaram às barras dos tribunais, com o patrocínio de conhecidos (e caros) advogados, incluindo o ex-presidente do Superior Tribunal Eleitoral, Eduardo Alkmin. Tive que sustentar uma intensa e desgastante batalha judicial.
Valeu à pena porque a procuradoria regional da república conseguiu deslocar a questão para a justiça federal, nela, finalmente, conseguindo anular os registros imobiliários do latifúndio ilegalmente promovidos no cartório de Altamira. Cecílio só não foi preso por ter nesse momento mais de 70 anos de idade.
Num dos momentos mais emocionantes da minha carreira de jornalista, fui homenageado em sessão pública no auditório da justiça federal pelos integrantes do Ministério Público Federal pela contribuição que dei à proteção do patrimônio público, ameaçado pelo autêntico pirata fundiário.
Mas a justiça do meu Estado me condenou, de forma tão parcial e passional que, já na fase de recurso, no Superior Tribunal de Justiça, uma decisão contrária, mas que ainda admitia o prosseguimento do feito por meio de uma rescisória, me deu a ideia de um protesto inédito. Seria a maneira de para atrair a atenção nacional e internacional para a situação escabrosa: aceitei a condenação e iniciei uma coleta pela internet para quitá-la.
Centenas de pessoas, no país e no exterior, contribuíram para reunir o volume necessário de dinheiro para o pagamento da indenização, depositada em juízo em 2013. Os herdeiros do empresário, porém, já então falecido, não se habilitaram para sacar o valor depositado, como era de se prever.
A moral do processo é ruim, constituindo um autêntico escândalo, mas o final acabou sendo feliz – ou quase: as terras voltaram ao domínio público e a justiça estadual recebeu uma receita originária dos bolsos de centenas de cidadãos conscientes e indignados com a minha condenação, conforme deixaram registrado no blog (Todos Com Lúcio Flávio Pinto) organizado espontaneamente por pessoas de aguçada sensibilidade social e política.
A elas, ao fim desta história, mais uma vez, obrigado. O Pará conseguiu piorar desde então (o mogno da Terra do Meio foi pilhado), mas não desistimos de tentar torná-lo melhor.
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